Banho quente

Meu cabelo encharcado colava na minha pele enquanto a água escorria quente pelo meu rosto, pingando do meu queixo ao passo que outros fios d’água deslizavam pelo meu peito, passando pela barriga, rolando por sobre as pernas e esvaindo-se pelo ralo. O vapor quente do banheiro agora havia embaçado completamente a superfície do espelho, impedindo que eu pudesse ver através do vidro a imagem do homem que me tornei, meu banho havia acabado há alguns minutos, mas eu não me movia. Não conseguia pensar em nada com nitidez, mas por um instante tive a impressão de que um filme de 21 anos de existência passava em flashes pela minha mente. O dia tinha sido muito atribulado, eu já havia tentado livrar-me do stress de várias maneiras, mas nenhuma havia sido tão eficiente como aquele banho quente. 

Desrespeitando todos os ideais de economia de água e preservação do planeta, que preguei tão veementemente na quarta série, eu agora me permitia o luxo, ainda que breve de esbanjar a água que dispunha através da economia de tantos anos desde a minha infância até aquele momento, simplesmente deixava a água quente massagear todo o meu corpo, levando consigo para o ralo toda a inquietude de uma mente que por algum motivo perdera naquela tarde o propósito, o vapor que subia dos meus ombros foi tirando de mim, sem que eu percebesse, um peso que estava massacrando meu corpo, alma e espírito. Eu realmente não consegui durante aquele banho encontrar uma solução para meus problemas, sabia que talvez depois que saísse do banheiro, meus monstros voltariam a me perturbar, mas por um instante, depois de tanto padecer do mal cuja raiz jamais poderia ser cortada, deixei que a água me iludisse, e que o calor sobre minha pele me fizesse acreditar que nada daquilo era real, de que estava tudo bem. Compreendi que os problemas sempre vão existir, não há como fugir deles senão por alguns minutos de banho quente, mas que estes minutos fazem valer cada instante de um dia que me faz querer sumir; desliguei o chuveiro, enxuguei meu corpo, e voltei para os braços da noite fria.

por: Garçon Pervers

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